quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Propriedade privada, aqui acessibilidade não entra! (Será?)

Ainda tem muuuuita gente que conversa comigo sobre a "imposição" de acessibilidade em propriedade privada. Muita gente comenta em redes sociais, que não deveriam "forçar" ter acessibilidade em cinemas, teatros, shoppings, faculdades particulares, etc, porque lá é propriedade privada. Já me afirmaram que acessibilidade só deveria existir em órgãos públicos,  e que nos outros lugares, conforme a 'demanda do público', os proprietários iriam se ajeitando...(Será? Temos a 'demanda' de 10 milhões de deficientes auditivos e olha só..Os cinemas não estão nem aí.) 


Minha cara de "Q?"  quando leio certas coisas que comentam...


Bom, então vamos imaginar viver nesse mundo da fantasia que só é acessível em órgãos públicos. 

Imagine que você está em uma cadeira de rodas: 

(Eu não sei nem 1% das dificuldades de quem é cadeirante, mas tentei imaginar algumas situações)

Segunda-feira, você precisa ir ao banco, mas não tem nenhuma rampa de acesso, e a escada tem vários degraus. Mas você não pode reclamar, afinal, o dono do banco que manda ali, não é? 

Terça-feira, você vai numa entrevista de emprego. Não consegue nem entrar na recepção, a porta é estreita demais. Entra pela porta dos fundos, após passar pelo estacionamento, um local perigoso para transitar com a cadeira. Mas depois da entrevista, você vê que não teria como trabalhar lá, porque o banheiro não é acessível para todos, e o empregador deixou claro que não pode mudar o local  por questões estéticas e financeiras. Você desiste. Alguém sem deficiência consegue o emprego facilmente.

Quarta-feira, você vai fazer a matrícula em um curso profissionalizante. Mesmos problemas, portas estreitas, sem mesas adaptadas, banheiro inacessível. Segundo pavimento, só por escadas. 

Quinta-feira, você sai com os amigos para um restaurante. Total falta de acessibilidade, mesas altas demais, degrau na porta, banheiro minúsculo. 

Sexta-feira, você pensa em ir no cinema com a família. Mas o shopping é propriedade privada, então eles decidiram criar escadas em frente ao cinema. E dentro da sala de filme, não há rampas. 

Sábado, seus amigos vão assistir a uma peça teatral, mas adivinha? Lá você também não consegue entrar. O dono do teatro não se importa. Então que tal uma voltinha em...Hmm.. Talvez uma delegacia? É um órgão público, lá é acessível...

Domingo, você pensa em viajar de ônibus. Porém a companhia de viação não tem elevador para entrar e sair do ônibus. Bom, mas dizem que só órgãos públicos devem ter acessibilidade, né? Então que tal ir...Hmm..que tal uma voltinha na Defensoria Pública, enquanto sua família vê um filme no cinema? Ou, que tal um passeio por dentro de um hospital público, enquanto seus amigos passeiam em um parque de diversões? Se der mais vontade de sair, tem o Ministério Público também, não é interessante? 

Consegue imaginar como seriam apenas esses 5 dias? E uma vida inteira?



Pare e pense, amiguinho.


A questão de quem banca a acessibilidade, aí é outra história, pra isso temos economistas que estudam por anos para debater isso, é uma área onde "achismos" leigos infelizmente não resolvem. Mas pesquise quantas pessoas com deficiência existem no Brasil, e depois me diga se não é um grande público consumidor. 

Um rapaz um dia me fez o seguinte comentário: "Tem coisas que a deficiência simplesmente nos impede, e a gente tem que aceitar. Ver um filme, sendo surdo como eu também sou, é impossível e a gente tem que aceitar e ponto final. Sem mimimi por legenda."


~revirando os olhos até não conseguir mais~

Nem respondo, ele tem a mesma deficiência que eu, ele sabe as dificuldades que passamos. Quando a pessoa com deficiência se limita, aí é complicado, né?


Não consigo entender como acham justo alguém ter menos oportunidades em função da deficiência. Sempre que alguém é privado de um lugar, privado de informação, de cultura, em razão da deficiência, é injusto. Ver alguém dizer que uma pessoa não tem direito a algo por causa da deficiência, pra mim, é uma das coisas mais revoltantes - uma das poucas coisas que me tira do sério. Deficiência não se escolhe. Pode acontecer com você, com seus pais, seus filhos ou amigos. E uma deficiência só será uma 'tragédia', ou um mar de dificuldades, como dizem, se o mundo ao redor não for acessível. Uma deficiência já nos priva de muitas coisas que jamais conseguiremos reverter, então acham mesmo justo que tantas coisas e locais sejam inacessíveis?