segunda-feira, 25 de julho de 2016

Tem que começar de alguma forma!

Finalmente consegui sentar pra escrever. Mal consigo acreditar na repercussão disso: https://www.facebook.com/danielle.machado.2809/posts/1114188181981318?pnref=story

Sendo que eu só queria juntar alguns outros DAs (Deficientes Auditivos) pra  aí sim fazer algo maior, nos cinemas que não tem sequer um filme legendado. 

Porém, pra começar do começo, tenho surdez moderada neurossensorial, bilateral e progressiva. Sou uma surda que fala, sim, como muitos outros surdos. Explico melhor nesse vídeo: (disponível apenas para computador) https://www.youtube.com/watch?v=KpHN8u-FX0U) Durante a infância e adolescência achava que tinha só uma perda leve, me acostumei a nunca entender nada de rádio, tv (desenhos animados e filmes principalmente - no jornal eu até fazia leitura labial), sofrer no telefone, não entender a mãe ou o pai falando de outro cômodo. Me acostumei porque foi tão aos poucos que eu nem notei. Passava vergonha na escola por não ouvir os colegas me chamando e também nas aulas de educação física, pois nunca entendia nada que a professora falava enquanto eu estava jogando. 

Ao  tentar ver filmes dublados, não entendia quase nada. Sempre parece que está em outro idioma, por mais alto que seja. Conforme fui crescendo a surdez foi piorando também. Tentei diversas vezes dialogar com atendentes de cinema, mercados, e até hospitais que tinham um sistema todo chique de senha, mas chamavam o número no berro. Chamar o nome da pessoa no berro até é mais fácil de entender, mas números são confusos demais de ouvir. 

Cansada de querer ver vários filmes e ter que desistir de muitos, sabendo que todos os ouvintes vão ao cinema sempre que querem, sem problema algum, decidi mostrar minha indignação. 

Sim, sei que tem coisa bem pior acontecendo, sei que não é só aquele cinema ali, sei que o protesto online não faz o processo judicial sair sozinho, sei tudo isso que várias pessoas vieram falar em tom de julgamento. 
Só que enquanto não é com você, é frescura, né? 

Quando tentaram barrar comida e bebida de outro estabelecimento dentro dos cinemas, todo mundo reclamou, porque aí tocou na parte que interessa. Mas quando não oferecem acessibilidade, ninguém reclama, ou se reclamar é o "chato, que não tem mais o que fazer, fica fazendo protesto". 
Eu vou entrar por via judicial sim, sei bem que facebook não é Procon. Mas quando me inscrevi nessa rede social, estava lá na primeira página "para você compartilhar o que quiser". Então se eu quero compartilhar isso eu posso, quem não gostar de algo, é só ignorar. (desabafei, pronto haha)

Sobre o "protesto":

Foi um dia muito aleatório, sem muito planejamento. No sábado, eu tive a ideia de ir ver A Era do Gelo ou Procurando Dory com meu namorado, só que em nenhum dos cinemas próximos tinha com legenda. Só pensei "DE NOVO..". Porque não é a primeira vez que desisto de ir no cinema ao descobrir que não tem com legenda, já desisti muitas vezes. 

Até que pensei: Alguém tem que começar. Enquanto ninguém reclamar, ninguém consegue o direito. Alguém vai ter que dar a cara a tapa, se sujeitar a todo tipo de julgamento/xingamento, mas alguém vai ter que começar. Mexer com as ideias fixas nas cabeças desse povo não é fácil, principalmente se o assunto for colocar-se no lugar do outro. Então "bora". É amanhã.

No domingo preparei os cartazes e fui pro cinema, primeiro tentar falar com o gerente. Me deixaram um tempão esperando (deu a impressão de que queriam que eu desistisse), e quando o gerente disse que a culpa não é dele, que se eu quisesse ia ter que processar a Disney e não ele, pedi  que fizesse um documento, explicando que a culpa não era ele e de ninguém do cinema então, para que eu processasse o responsável. Ele recusou. E repetiu inúmeras vezes "você que procure seus direitos então". 
Quando questionei o porquê de ter um cartaz lá dizendo que pessoas com deficiência tem direito a meia entrada e atendimento preferencial, mas não ter o filme em formato acessível, que é o principal, não houve resposta. 
Meu namorado perguntou " E se seu filho pequeno fosse surdo, onde você levaria ele pra ver filme, já que aqui não tem com legenda?" e também não houve resposta. 

Ao contrário do que muita gente imagina, NÃO fiquei lá segurando cartazes. Foram menos de 5 minutos, segurava o cartaz, meu namorado tirava a foto e eu já pegava o próximo, e fomos embora. Fiz na intenção de compartilhar com os amigos e familiares pra conscientizar. Se tivesse imaginado a repercussão, teria ido num dos cinemas que não tem nenhum filme legendado, pois esses merecem muito mais exposição.

Não consigo nem imaginar a revolta que teriam pais levando seus filhos pequenos surdos ao cinema e não ter nenhuma sessão legendada.

"Ahh mas cinema é luxo, por que não luta primeiro pelas coisas básicas?"

Olha, não dá de fazer tudo na vida, nem agradar a todos, as poucas ideias que tenho estou tentando colocar em prática. Quer lutar por aparelhos auditivos pra quem precisa? Bora! Vamos também!
Fui atrás de ministério público, defensoria pública e regionais de saúde para conseguir meus aparelhos auditivos, até conseguir. Lutei por aquilo que eu acreditava e que é nosso direito. Se cada um fizesse a sua parte em vez de julgar, o mundo já teria muito mais acessibilidade para todos os tipos de deficiência. 

Então, vamos começar com as coisas pequenas?"

domingo, 24 de julho de 2016

Detalhes...

Se você não sabe o que é:
Ficar quieto e sozinho em mesas cheias de gente;
Ir à praia e não entender  nada que seus amigos falam;
Ouvir música e não entender nem qual é o idioma cantado;
Quase ser atropelado várias vezes porque não ouviu o carro;
Não conseguir entender TV e rádio;
Chegar num cinema e ver que lá você não pode ver o filme que quer;
Se não sabe, então não me diga que é frescura.
Entendo todos que tentam se pôr no meu lugar, e desejo um abraço apertado àqueles que reconhecem que é difícil.
Mas só quem tem deficiência auditiva que sabe quantas oportunidades e momentos são arrancados da gente por causa desse silêncio. Detalhes, os detalhes dessa vida que fazem a diferença.


quinta-feira, 7 de julho de 2016

Você pode, e eu não :(



Muitos imaginam que quem não ouve só sofre por não entender nada da televisão, rádio e telefone. Porém há muitos momentos bons que nos são privados devido à perda auditiva, e ouvintes nem imaginam. Vamos à listinha, e tente ter um pouco de empatia, entender como é uma vida silenciosa:


  • Praticar esporte com os amigos: Jogar uma partida de vôlei, basquete, handebol...É tudo na maior solidão. Durante as partidas nunca entendo naaaaada do que os colegas falam, nem em ginásio fechado, nem em quadra aberta. Se estão gritando "sai" ou "vai", não faço a mínima ideia.
  • Pior mesmo é saber que muitas vezes 'atropelei' colegas no vôlei, porque corri pra pegar a bola e não ouvi que outra pessoa estava vindo de trás, com o mesmo objetivo. E por isso já passei por ~muitas~ situações bem vergonhosas. Então na próxima vez que você for jogar, tente colocar um tampão em cada ouvido e me conte se será tão legal jogar sendo surdo.


  • Andar em estacionamentos/ruas: Eu nunca sei quando tem um carro ligado perto de mim, e muitas vezes passo por trás de carros estacionados e não escuto que eles estão começando a dar ré. Ônibus, só ouço quando já está na minha frente. Pelo menos se eu morrer atropelada, não vou nem saber o que me atingiu. Ah, e se tiver caminhando com amigos, também não entendo nada que dizem, porque não tem como ficar torcendo o pescoço pro lado pra ler lábios e ainda ver onde pisa, né? Ou um ou outro.


  • Ficar sozinha em casa: Podem ficar 3 horas tentando arrombar a porta, que eu não vou ouvir um pio. Morro de medo de um dia dar de cara com um ladrão já dentro de casa porque não ouvi nada.


  • Não saber se tem visita em casa: Quaaaantas vezes já apareci da cozinha de pijama, desarrumada, e dei de cara com visitas que nem imaginava que estavam ali. Além do susto, a vergonha. Normalmente até ouço que tem alguém conversando, mas acho que é minha família mesmo. Só que nem sempre.


  • Praias e trilhas: Nessas duas ocasiões, pode esquecer. Nem tenta. No máximo vai sair um diálogo assim:
-Dani, empresta o protetor solar?
Eu: -Aham, que legal, tinha comida?
-------------
-Até que essa trilha não é difícil, né Dani?
Eu: -Aham, também gosto de cálculo.


Resumo da minha vida hahaha Mas quando vejo a pessoa fazendo cara de assustada pra minha resposta, rapidamente já pergunto "O que você disse mesmo?".


  • Conversar no carro: Viagem de carro com a minha família é tranquila, podem ficar falando o caminho todo que eu não vou entender nada, e nem ligo (hehe). Agora viajar com a família do meu namorado, por exemplo, é de suar frio. Sei lá se estão falando comigo ou não, eu sempre tento conversar só com quem tá do lado, pra fazer leitura labial.


Então amigos, antes de apontar o dedinho e dizer que ser surdo nem é uma deficiência tão grave assim, ou que querer legenda em cinema é querer demais, que é "bom ser surdo" porque não paga ônibus...Tente ficar sem ouvir, que rapidinho essa opinião já muda =)


Tem alguma situação que você também passa por privação devido à surdez? Comente abaixo!