segunda-feira, 15 de maio de 2017

Como não apanhar de um surdo:

Veja se você já esteve em perigo perto de alguém surdo:

(Brincadeira, gente, nada de violência. Mas que dá vontade às vezes, dá hahaha) 


No dia a dia:


Perfeito: -"Vi que você utiliza aparelhos auditivos. Você se sente confortável em conversar sobre isso? Porque tenho curiosidade sobre o assunto."

Arriscado: -"Nossa, você usa aparelhos auditivos. Mas não escuta nada sem eles? Toma banho e dorme com eles? É com pilha? Consegue escutar isso aqui? (e faz algum barulho estranho) Com aparelho precisa de legenda? (aquela metralhaaaadora de perguntas que nem deixa respirar)

Absurdo: -"Que bom que tem o cabelo comprido, dá pra esconder, ninguém vai descobrir. Pode ficar tranquila que não conto pra ninguém que você usa."

Pode apanhar: Colocar o dedo.

Vou nem dizer onde é pra colocar esse teu dedo aí.

Em bares, restaurantes, baladas, etc:



Perfeito: -"Vamos conversar onde tem mais luz?"



Arriscado: -"Se não me entender eu repito, sem problema" (mas quer ficar onde é difícil conversar)

Absurdo: Querer conversar berrando na minha orelha, mesmo depois de eu avisar que não adianta.

Pode apanhar: -"Ah, não ouviu de novo? Então deixa pra lá..."
Não deixo não! Vai repetir! 



Em casa, com a família:


Perfeito: Quem quer conversar vem até onde eu estou.


Arriscado: Alguém berra de outro cômodo me chamando, e eu tenho que ir até ela.

Absurdo: Não querer colocar legenda no filme que vamos assistir em casa.

Pode apanhar: Querer perguntar algo quando estou no banho, e repetir cada vez mais alto, achando que vai adiantar.




Como eu entendo vocês falando comigo:


Na sala de aula:

Perfeito: Turma em silêncio, e sempre que possível, abrir as janelas para não precisar ligar o ar condicionado.

Arriscado: Ficar batendo dedos na mesa, apertando a caneta, fazendo barulhinhos repetitivos.

Absurdo: Professor que começa a falar mais baixo porque a turma está falando alto, como um método de pedir silêncio. (Sério, é melhor dar um berro do que fazer isso)

Pode apanhar: Alunos que ficam conversando durante a aula. (Vocês não fazem ideia do que é ruído de fundo, mais zumbido, mais irritação por causa dos sons, e aí a conversa de vocês...) 

Pros coleguinhas que adoram conversar 


Perfeito: Como devo me referir a você, surda, deficiente auditiva, [outra nomenclatura], ou não quer que eu fale nada? 

Arriscado: Ah mas tu nem é surda, tem aparelho auditivo. (A pessoa não sabe nada de surdez e já sai ditando o que é e o que não é) 

Absurdo: Ela tem...é....um...probleminha, sabe? De audição...(falando baixinho, como se fosse um crime)

Pode apanharNão ouviu? Eita surdinha, hein? Mas como que aquele outro dia eu falei no mesmo volume e tu ouviu?


segunda-feira, 8 de maio de 2017

O cinema não tem legenda. O que fazer?

1º: Converse com o gerente e peça para que na próxima semana, quando renovarem a programação, tenha uma sessão por dia legendada de cada filme. Tire um print dos horários, dos cartazes ou se tiver em folheto impresso, melhor ainda. Fale sobre a necessidade das legendas e alerte sobre a possibilidade de processo judicial, sobre a Lei 13.146/2015  e a normativa 128 da Ancine quando esta entrar em vigor. (Antes, leia toda a lei e a normativa, óbvio) 

2º: Retorne ao cinema e verifique se a solicitação foi atendida. 

3º Se tiver as sessões legendadas, ótimo, fique de olho nas próximas programações. Caso não tenha, pegue a programação dessa nova semana, e junto com os laudos médicos atestando a deficiência auditiva, procure o Ministério Público ou a Defensoria Pública. Eles possuem horários de atendimento para a triagem, onde vão recolher documentação, e então enviar para a abertura do processo. 




No processo judicial, não peça indenização, de preferência. Peça um acordo com os cinemas para que tenham mais sessões legendadas até a implantação total da normativa 128 (quando todos os filmes terão que ter legendas, em qualquer horário. De novo, leia a normativa e os prazos!) 

4º: Procure a mídia, faça cartazes e chame outros surdos, e entre em contato a OAB - comissão da pessoa com deficiência do local. Compartilhar a situação pode fazer com que pessoas como advogados e vereadores se atentem à situação, enviando notificações para os cinemas, ajudando no processo judicial ou criando projetos de lei municipais. 


Manifestações por todo o Brasil: conscientização em massa.
Parabéns a todos vocês! <3

Importante: em nenhum momento xingue ou humilhe quem trabalha nos cinemas. Seja educado. A culpa é dos que estão lá no topo da chefia, ou, dependendo do filme, a culpa é da produtora que não fornece legenda para os cinemas.

6º: Acompanhe o processo por e-mail, contatando os advogados e defensores públicos que estão atendendo o caso. 

7º O processo pode demorar, tenha paciência. Continue a pressionar através de manifestações silenciosas com cartazes em frente aos cinemas, de preferência em horário de grande movimentação. Em várias cidades, o simples fato de aparecer na mídia fez com que os cinemas ajustassem os horários para atender o público surdo também.

Conheça a camiseta da campanha Legenda Nacional, o desenho está disponível gratuitamente no site, em várias línguas. Reúna seus amigos e leve o desenho na estamparia mais próxima para fazer a camiseta. Espalhe conscientização! =)








segunda-feira, 27 de março de 2017

Por que uma deficiência invisível te incomoda?

Não são poucas as vezes em que somos percorridos de cima a baixo por olhares ávidos, pesquisadores e que transbordam curiosidade, em busca da nossa "falha". Porque parece já intrínseco aos humanos procurar pelo 'erro', em vez de apreciar os 'acertos', não? 

É incrível como querem descobrir qual a nossa deficiência. Querem descobrir se a pessoa que está na fila preferencial tem algum membro amputado, e por isso, olham, percorrem os nossos corpos como se eles fossem um objeto de estudo em laboratório. E são olhares são tão cheios de julgamento que me fazem pensar "O que será que significa deficiência pra essas pessoas? Parece ser algo horrível, pelos olhares".

As pessoas pensam que TEM QUE SER UMA DEFORMIDADE VISÍVEL. Sabe por quê?

Porque pra maioria, uma deficiência é algo "vergonhoso, feio, que dá pena."
Então, pra elas,  precisa ser visível. 
Não é deficiência, se não causa vergonha.
Como se uma pessoa com deficiência fosse uma 
pobre coitada de quem todo mundo tem pena pela aparência.


Descrição: ator Robert Downey, de terno e gravata, com os braços cruzados, olhos revirados e boca aberta.

Mas você sabe o conceito correto?

Lei 13.146/2015:

 Art. 2o  "Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."


E a definição de barreira, também conforme a lei: 


"barreiras: qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que limite ou impeça a participação social da pessoa, bem como o gozo, a fruição e o exercício de seus direitos à acessibilidade, à liberdade de movimento e de expressão, à comunicação, ao acesso à informação, à compreensão, à circulação com segurança, entre outros(...)"


Encontrou onde diz que deficiência é algo feio? Ou que é alguma deformidade que necessariamente chama a atenção? Que é visível? Então...



Mas e a fila preferencial, é pra todo tipo de deficiência? 


Sim! Fila preferencial não significa "fila rápida". Claro que, por bom senso, pessoas com mobilidade reduzida têm prioridade, e isso deveria ser para todas as filas. Mas o atendimento preferencial é para oferecer um atendimento em condição de igualdadeevitar constrangimentos. É onde tem um atendente (teoricamente) treinado a lidar com um cego, um idoso, surdo ou cadeirante. 

Ahh, se todos tivessem paciência para entender o que é "Fale devagar, por favor, não escuto", eu nem iria em caixa preferencial, mas sim em qualquer um. Só que já cansei de passar vergonha e stress com atendente que ignorava o meu pedido de repetir o que disse e achava que eu estava desatenta. Pior, quando repetia, repetia com aquela cara de "Presta atenção na próxima vez", de um jeito nervoso e olhos revirados.

Claro que estou sempre com alguma carteirinha de comprovação da deficiência comigo. Geralmente, mostro no balcão de atendimento, dizendo "Esse é o comprovante de pessoa com deficiência, por via das dúvidas", mas recebo um "Nooossa, nem parece!" E é aí que tá. Pros outros, "tem que aparecer", mas não, não é assim!

Então, em todo lugar em que vejo que posso ter dificuldades no atendimento comum, eu faço valer meu direito e vou no atendimento preferencial. Em aviões é um exemplo. Quando sentei lá no meio de outros passageiros, e vieram servir o lanche, eu não conseguia ouvir as opções. Pedi pra comissária repetir várias vezes, mas com todos os barulhos junto, conversas, eu não entendia. E recebi olhares de passageiros tipo "Aff...Ela tá atrasando todo o serviço, perguntando várias vezes...". Escolhendo o assento preferencial, eu digo aos comissários de bordo que preciso de uma fala mais clara, devagar, e tudo fica perfeito. 

Já me disseram que a minha deficiência é uma mentira, que eu só escuto o que quero.

Que é igual uma rinite. (Essa eu ri, e depois pensei: não posso discordar. Rinite é algo que incomoda muito quem tem, mas incomoda bem pouco aos outros, então, até que faz sentido)

Mas sabe de uma coisa? Só a gente, que tem deficiência auditiva, que sabe o quanto isso afeta a vida, e claro que afeta, senão não seria deficiência. É a panela que transborda no fogão e a gente não escuta. Algum parente querendo perguntar algo gritando de fora do banheiro quando a gente tá no banho. (Não adianta, vai ter que esperar). É o namorado(a) que não pode ficar abraçado no escurinho falando coisas na orelha. (Quer dizer, pode, ué, mas vai falar com as paredes, hehehe). É aquele filme em família que só você não pode ver porque não tem legendas. É aquela conversa em festas que você nunca participa porque é um esforço enorme entender algo. É o celular que toca e os outros tem que avisar. É o terror da adaptação aos aparelhos auditivos, onde até abrir um zíper vira tortura. 

Nós sabemos como é. E essa nossa união é muito importante, por isso eu adoro ver os grupos do Facebook onde conversamos sobre tudo de surdez, tiramos dúvidas, desabafamos e rimos. E é essa união que devemos ter para gritar ao mundo: não temos vergonha de nós mesmos. E se o fato de nossa deficiência ser (quase) invisível te incomoda, problema teu, preconceito teu, querido. 


Descrição da imagem: um meme famoso, de um cara de óculos escuros, com uma mão levantada, que acabou de jogar uma pitada de sal no ar, com um jeito debochado, a mão bem delicada.


quarta-feira, 15 de março de 2017

Meus ouvidos e meus 10 dólares (quase) perdidos


Na praça de alimentação de um shopping perto do trabalho, me sento para um dos meus almoços fora de hora, entre as aulas da tarde e da noite. Olho para os lados, vejo lojas e uma casa de câmbio. Começo a rir sozinha com as lembranças que me vêm à mente: a surdez me fez mais uma "daquelas".

Em Janeiro estive ali pra comprar alguns dólares, pois iria pro Paraguai com minha mãe (viagem na qual compramos coisas bizarras, mas isso é outra história). A atendente me entregou a quantia e disse 
"Confere, por favor, tem 'tantos' e sete dólares."

Perguntei, pra ter certeza: "-Tantos e sete?" e ela só fez "Uhum". Conferi, guardei e saí rapidamente, porque a fila de argentinos já estava enorme. (Florianópolis no verão, nada de novo...)

Alguns dias depois, vejo o recibo na carteira. Eram "tantos e dezessete dólares", e não "sete". Eita, c-a-r-a-m-b-a. Eu ouvi só sete, tenho certeza. Volto lá, espero e vejo em todas as paredes: "Confira o dinheiro no ato, não aceitamos reclamações posteriores.". Ah, vão aceitar sim, ah, se vão. Explico a situação, e peço as imagens da câmera de segurança, já que tem uma bem em cima de cada balcão de atendimento. 
Pediram-me pra esperar 3 dias, que me responderiam por email. Esperei 10. Volto lá, e depois de explicar toda a situação novamente, recebo o valor que faltava.

Os ouvidos (quase) me fizeram perder 10 dólares - mas isso não é nada comparado a tudo que já perdi, já deixei de escutar, já deixei de conversar e viver. Não é nada, eu sei. Mas o que sei é que naquele dia saí de lá surda, mas com meus 10 dólares e um sorriso na cara.

#PraCegoVer: gif de uma novela brasileira, em que uma vilã dá um olhar malicioso e bebe um suco em uma taça.


terça-feira, 14 de março de 2017

Não deixe a surdez te isolar

Vamos conversar sobre a adaptação aos aparelhos auditivos? 

Usar aparelhos pode ser muito agoniante, sabia? Da mesma forma que pra você, ouvinte, o volume que você ouve é o "normal", pra mim, o que eu escutava (perda moderada) era o meu "normal" também. No primeiro dia no volume 'corrigido' de ouvintes, com aparelhos auditivos, tudo era doloroso. Foram 7 meses com um volume mais baixo, pra só então aumentar para o 'normal'. E sobre esses novos aparelhos, e em volume mais alto, com certeza:

Não foi nada fácil. 

Colocar o copo na mesa, o click do mouse e teclado do computador, fechar uma porta, deixar algo cair no chão, caminhar dentro de casa, até abrir um zíper, era tortura. Comer com aparelhos, nem pensar. Eu tinha certeza de que JAMAIS iria me acostumar com tanto barulho. Me recusava a acreditar que o mundo era assim, comecei a duvidar se os exames de audiometria estavam corretos. Até apagar a luz quando saía do quarto rendia um grande susto, o interruptor fazia barulho. Balançava a cabeça enquanto pensava "Não, não! Está alto demais!". Voltei na clínica no dia seguinte e pedi pra diminuir um pouco. Menos ruim, mas cada barulho ainda era de arrepiar. Imagine algo irritante, que dói, deixa a gente quase louco de tanto barulho, mas é só desligar, que tudo passa. Quem iria ficar se 'torturando'? Por isso compreendo quem acaba desistindo de usar aparelhos auditivos. É bem difícil.

Só que o que vem depois vale a pena. 

É sair de uma bolha isolante. Se adaptar aos aparelhos é começar a participar das conversas, parar de ficar só ali observando e com a mente em outros pensamentos ( chamada de "desatenta" ainda). É parar de falar "Aham" e sorrir quando na verdade não entendemos uma palavra sequer que disseram. Nunca tinha notado o quão isolada eu era, embora sempre estivesse ali, presente. Se meus amigos e familiares soubessem quanta coisa eles falaram e eu só fingi que ouvi, sei que até ficariam chateados. E pra você, que sente o mesmo, se sente isolado, ainda pensando se tenta usar aparelhos ou não, eu recomendo: faça esforço pra se comunicar, não importa como. Tente de tudo. Leitura labial, aparelhos, Libras, por escrito, que seja. Mas não se isole. Busque alternativas, porque se isolar só vai fazer mal. 

Hoje foi uma grande surpresa notar que pensei "Poxa, podia aumentar um pouquinho o volume. Dependo muito de leitura labial, e tem muitas consoantes que ainda não estou escutando". Jamais imaginei que pensaria isso! Comecei a observar: o clique do mouse, a porta, os passos, as vozes...Não doem mais! O cérebro está pronto para mais desafios. É difícil passar pelo aprendizado da audição junto com o aprendizado da faculdade mais as 6 horas diárias de trabalho, pois usar aparelhos é como ficar o dia inteiro "estudando" - a mente cansa. 

Se você optar pela adaptação a esse mundo sonoro, seja forte. Não vá com toda a animação achando que vai ouvir tudo, porque a decepção no começo é grande.

E nem sempre a gente gosta de ouvir, tem pessoas que eu queria que em vez de som, tivessem legenda embaixo do rosto, porque é difícil escutar. Mas também, se não gostar, é só apertar o "Off". Somos maleáveis. Nos dobramos, choramos, rimos, porém, mais importante: continuamos e com o tempo, nos moldamos. E sem aviso, nos vemos adaptados a um novo mundo. O que era dolorido já é só lembrança. E podendo viajar de volta pro passado - é só tirar as pilhas. Somos persistentes porque a esperança da recuperação é algo que aprendemos cedo, desde o joelho ralado que se cura até os amores que se vão.

Sim, pode doer, mas um dia essa dor vai passar. E vai valer a pena, confia. Só não desiste.

E se você escolher ouvir, garanto: tem muito som aí fora pra você se surpreender, se arrepiar, sons que vão fazer chorar e rir. Só que é preciso força pra aprender a ouvi-los.

Se quiser, compartilhe comigo e com todos as suas pequenas novidades sonoras. Só não mande áudio no whatsapp, por favor.


Camiseta: Legenda para quem não ouve, mas se emociona.



segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Mãe de uma deficiente auditiva | Entrevista

Em um final de semana sem muito o que fazer, observei que tem coisas sobre a surdez que eu sei, mas que nunca falei para os meus pais e familiares. E também, muitas coisas que eu nunca perguntei pra eles, pra saber o que eles pensam. Então fiz 10 perguntas pra minha mãe: 

(Se você chegou agora e não sabe da minha história com a perda auditiva, sugiro a leitura desse texto >aqui< antes de continuar. )


~ Carmelita Kraus ~



1) O que sentiu quando viu o meu laudo médico? (Eu estava com 19 anos, em 2016)
Mãe: Quando fui junto fazer a audiometria, durante o exame passou muita coisa pela cabeça, uma mistura de medo de como seria daqui em diante e uma grande culpa por não ter notado antes. E também, muita emoção de ver você ouvir minha voz e mexer nos cabelos [o barulho do cabelo nos aparelhos, no primeiro teste] levou dias pra 'cair a ficha'. 

Meu comentário: Lembro muito bem da tua emoção, mãe...Eu arregalei os olhos e me assustei quando te vi falando e a voz parecia de outra pessoa, completamente diferente, pensei que tinha entrado mais alguém na sala.

2) Já imaginava que eu tinha perda auditiva?
Mãe: Nunca imaginei que tinha a perda, por ser esperta e ativa até demais. 


3) Hoje, como imagina que é a sensação de usar aparelhos?
Mãe: Deve ser horrível! Tantos barulhos, e fortes...Se fosse bom tu não ia querer tirar assim que chega em casa...Não usar é ruim, mas usar também deve ser bem difícil. Hoje vejo que se tivesse notado antes a perda você não passaria tanto trabalho com adaptação ao aparelho. 


4) Uma coisa ruim e uma boa de viver com alguém que não escuta direito?
Mãe: Uma coisa ruim seria a irritação de ficar o dia todo de aparelho ouvindo trilhões de sons e chegar em casa, querer silêncio, e familiares querendo conversar pra saber como foi o dia, trabalho, estudos...Mas você está estressada e não quer muita conversa.
Uma coisa boa, saber que você usando aparelhos vai atravessar a rua e escutar se vem carro...E ver você ouvindo música e levando a vida normalmente. 

5) Se pudesse voltar no tempo, acha que eu escolheria não ter perda auditiva?
Mãe: Acho que não podemos escolher ter uma deficiência/perda. Você sempre supera todos os obstáculos que aparecem e ainda tira proveito [no bom sentido]. Se a vida te der limões, faça limonada. 

(Olha só, mãe filosofando. Gostei hehe)

6) Algum hábito que teve que mudar quando notou minha surdez?
Mãe: Sim, muitos. Não telefonar pra você, nem mandar áudio, chamar com tom de voz mais alto, avisar quando chega visita (pra não aparecer enrolada na toalha), etc...

7) Algum hábito ainda por mudar?
Mãe: Sim, falar sempre de frente pra ti. 

8) Já se imaginou sendo surda? Se sim, em que situação?
Mãe: Nunca me imaginei sendo surda. 

9) Alguma situação engraçada por causa da surdez?
Mãe: Todos os dias aprendendo ainda a conviver com a sua surdez, e ainda não caiu a ficha direito. Situação engraçada foi ser chamada de sogra por vários moços e você nem escutou nada, do meu lado hahaha

10) Como imagina que vai ser daqui a uns 20 anos, quando vou ouvir muito menos do que hoje?
Mãe: Gostaria que daqui a 20 anos tivesse muito mais tecnologia pra não ter essa perda e ter mais qualidade de vida, pois o futuro preocupa, mas a ciência sempre vai avançando. Se assim não fosse, não teria descoberto a surdez pela audiometria [pela ciência].

Obrigada, mãe, pelas respostas. Algumas eu até já imaginava, outras, me surpreenderam muito. ♥

E você, que tal conversar com os amigos e familiares, pra descobrir o que eles pensam sobre a surdez? Às vezes nós sabemos tanto, pesquisamos, refletimos, mas guardamos tudo. 'Bora' compartilhar conhecimento! ;) 

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Propriedade privada, aqui acessibilidade não entra! (Será?)

Ainda tem muuuuita gente que conversa comigo sobre a "imposição" de acessibilidade em propriedade privada. Muita gente comenta em redes sociais, que não deveriam "forçar" ter acessibilidade em cinemas, teatros, shoppings, faculdades particulares, etc, porque lá é propriedade privada. Já me afirmaram que acessibilidade só deveria existir em órgãos públicos,  e que nos outros lugares, conforme a 'demanda do público', os proprietários iriam se ajeitando...(Será? Temos a 'demanda' de 10 milhões de deficientes auditivos e olha só..Os cinemas não estão nem aí.) 


Minha cara de "Q?"  quando leio certas coisas que comentam...


Bom, então vamos imaginar viver nesse mundo da fantasia que só é acessível em órgãos públicos. 

Imagine que você está em uma cadeira de rodas: 

(Eu não sei nem 1% das dificuldades de quem é cadeirante, mas tentei imaginar algumas situações)

Segunda-feira, você precisa ir ao banco, mas não tem nenhuma rampa de acesso, e a escada tem vários degraus. Mas você não pode reclamar, afinal, o dono do banco que manda ali, não é? 

Terça-feira, você vai numa entrevista de emprego. Não consegue nem entrar na recepção, a porta é estreita demais. Entra pela porta dos fundos, após passar pelo estacionamento, um local perigoso para transitar com a cadeira. Mas depois da entrevista, você vê que não teria como trabalhar lá, porque o banheiro não é acessível para todos, e o empregador deixou claro que não pode mudar o local  por questões estéticas e financeiras. Você desiste. Alguém sem deficiência consegue o emprego facilmente.

Quarta-feira, você vai fazer a matrícula em um curso profissionalizante. Mesmos problemas, portas estreitas, sem mesas adaptadas, banheiro inacessível. Segundo pavimento, só por escadas. 

Quinta-feira, você sai com os amigos para um restaurante. Total falta de acessibilidade, mesas altas demais, degrau na porta, banheiro minúsculo. 

Sexta-feira, você pensa em ir no cinema com a família. Mas o shopping é propriedade privada, então eles decidiram criar escadas em frente ao cinema. E dentro da sala de filme, não há rampas. 

Sábado, seus amigos vão assistir a uma peça teatral, mas adivinha? Lá você também não consegue entrar. O dono do teatro não se importa. Então que tal uma voltinha em...Hmm.. Talvez uma delegacia? É um órgão público, lá é acessível...

Domingo, você pensa em viajar de ônibus. Porém a companhia de viação não tem elevador para entrar e sair do ônibus. Bom, mas dizem que só órgãos públicos devem ter acessibilidade, né? Então que tal ir...Hmm..que tal uma voltinha na Defensoria Pública, enquanto sua família vê um filme no cinema? Ou, que tal um passeio por dentro de um hospital público, enquanto seus amigos passeiam em um parque de diversões? Se der mais vontade de sair, tem o Ministério Público também, não é interessante? 

Consegue imaginar como seriam apenas esses 5 dias? E uma vida inteira?



Pare e pense, amiguinho.


A questão de quem banca a acessibilidade, aí é outra história, pra isso temos economistas que estudam por anos para debater isso, é uma área onde "achismos" leigos infelizmente não resolvem. Mas pesquise quantas pessoas com deficiência existem no Brasil, e depois me diga se não é um grande público consumidor. 

Um rapaz um dia me fez o seguinte comentário: "Tem coisas que a deficiência simplesmente nos impede, e a gente tem que aceitar. Ver um filme, sendo surdo como eu também sou, é impossível e a gente tem que aceitar e ponto final. Sem mimimi por legenda."


~revirando os olhos até não conseguir mais~

Nem respondo, ele tem a mesma deficiência que eu, ele sabe as dificuldades que passamos. Quando a pessoa com deficiência se limita, aí é complicado, né?


Não consigo entender como acham justo alguém ter menos oportunidades em função da deficiência. Sempre que alguém é privado de um lugar, privado de informação, de cultura, em razão da deficiência, é injusto. Ver alguém dizer que uma pessoa não tem direito a algo por causa da deficiência, pra mim, é uma das coisas mais revoltantes - uma das poucas coisas que me tira do sério. Deficiência não se escolhe. Pode acontecer com você, com seus pais, seus filhos ou amigos. E uma deficiência só será uma 'tragédia', ou um mar de dificuldades, como dizem, se o mundo ao redor não for acessível. Uma deficiência já nos priva de muitas coisas que jamais conseguiremos reverter, então acham mesmo justo que tantas coisas e locais sejam inacessíveis?