terça-feira, 14 de março de 2017

Não deixe a surdez te isolar

Vamos conversar sobre a adaptação aos aparelhos auditivos? 

Usar aparelhos pode ser muito agoniante, sabia? Da mesma forma que pra você, ouvinte, o volume que você ouve é o "normal", pra mim, o que eu escutava (perda moderada) era o meu "normal" também. No primeiro dia no volume 'corrigido' de ouvintes, com aparelhos auditivos, tudo era doloroso. Foram 7 meses com um volume mais baixo, pra só então aumentar para o 'normal'. E sobre esses novos aparelhos, e em volume mais alto, com certeza:

Não foi nada fácil. 

Colocar o copo na mesa, o click do mouse e teclado do computador, fechar uma porta, deixar algo cair no chão, caminhar dentro de casa, até abrir um zíper, era tortura. Comer com aparelhos, nem pensar. Eu tinha certeza de que JAMAIS iria me acostumar com tanto barulho. Me recusava a acreditar que o mundo era assim, comecei a duvidar se os exames de audiometria estavam corretos. Até apagar a luz quando saía do quarto rendia um grande susto, o interruptor fazia barulho. Balançava a cabeça enquanto pensava "Não, não! Está alto demais!". Voltei na clínica no dia seguinte e pedi pra diminuir um pouco. Menos ruim, mas cada barulho ainda era de arrepiar. Imagine algo irritante, que dói, deixa a gente quase louco de tanto barulho, mas é só desligar, que tudo passa. Quem iria ficar se 'torturando'? Por isso compreendo quem acaba desistindo de usar aparelhos auditivos. É bem difícil.

Só que o que vem depois vale a pena. 

É sair de uma bolha isolante. Se adaptar aos aparelhos é começar a participar das conversas, parar de ficar só ali observando e com a mente em outros pensamentos ( chamada de "desatenta" ainda). É parar de falar "Aham" e sorrir quando na verdade não entendemos uma palavra sequer que disseram. Nunca tinha notado o quão isolada eu era, embora sempre estivesse ali, presente. Se meus amigos e familiares soubessem quanta coisa eles falaram e eu só fingi que ouvi, sei que até ficariam chateados. E pra você, que sente o mesmo, se sente isolado, ainda pensando se tenta usar aparelhos ou não, eu recomendo: faça esforço pra se comunicar, não importa como. Tente de tudo. Leitura labial, aparelhos, Libras, por escrito, que seja. Mas não se isole. Busque alternativas, porque se isolar só vai fazer mal. 

Hoje foi uma grande surpresa notar que pensei "Poxa, podia aumentar um pouquinho o volume. Dependo muito de leitura labial, e tem muitas consoantes que ainda não estou escutando". Jamais imaginei que pensaria isso! Comecei a observar: o clique do mouse, a porta, os passos, as vozes...Não doem mais! O cérebro está pronto para mais desafios. É difícil passar pelo aprendizado da audição junto com o aprendizado da faculdade mais as 6 horas diárias de trabalho, pois usar aparelhos é como ficar o dia inteiro "estudando" - a mente cansa. 

Se você optar pela adaptação a esse mundo sonoro, seja forte. Não vá com toda a animação achando que vai ouvir tudo, porque a decepção no começo é grande.

E nem sempre a gente gosta de ouvir, tem pessoas que eu queria que em vez de som, tivessem legenda embaixo do rosto, porque é difícil escutar. Mas também, se não gostar, é só apertar o "Off". Somos maleáveis. Nos dobramos, choramos, rimos, porém, mais importante: continuamos e com o tempo, nos moldamos. E sem aviso, nos vemos adaptados a um novo mundo. O que era dolorido já é só lembrança. E podendo viajar de volta pro passado - é só tirar as pilhas. Somos persistentes porque a esperança da recuperação é algo que aprendemos cedo, desde o joelho ralado que se cura até os amores que se vão.

Sim, pode doer, mas um dia essa dor vai passar. E vai valer a pena, confia. Só não desiste.

E se você escolher ouvir, garanto: tem muito som aí fora pra você se surpreender, se arrepiar, sons que vão fazer chorar e rir. Só que é preciso força pra aprender a ouvi-los.

Se quiser, compartilhe comigo e com todos as suas pequenas novidades sonoras. Só não mande áudio no whatsapp, por favor.


Camiseta: Legenda para quem não ouve, mas se emociona.



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