terça-feira, 1 de novembro de 2016

Paciência, muuuita paciência na adaptação.

   Pode sentar que esse é pra ler com calma. 

Obs:  AASI significa aparelho auditivo.

(Este texto foi escrito sob o efeito de altas doses de nervosismo. Por favor, paciência hehehe)

Quando alguém começa a usar aparelhos auditivos, é normal a curiosidade da família e amigos. Eles querem saber como um aparelho funciona, querem ver como é, e o principal, perguntam: "Agora está ouvindo?". Sim, algumas coisas eu estou ouvindo, mas isso não significa que estou entendendo. 

Como já expliquei nesse texto >aqui<, "A minha perda é moderada, mas é preciso explicar o que isso significa: Esqueça volume, esqueça porcentagem de audição, esqueça colocar os dedos no ouvido pra tentar descobrir como é ouvir tudo mais baixo. A perda auditiva pode se manifestar de diferentes formas, dependendo de quando ela surgiu, se foi feito o uso de algum aparelho auditivo ou implante desde a infância, e das frequências de sons que foram afetadas."


O que eu escuto, sempre foi o meu 'normal', do mesmo jeito que pra você, ouvinte, tudo está no volume normal também. 


Minha ideia sobre os aparelhos tem mudado a cada dia. Nunca imaginei que seria tão difícil e tão abrangente a adaptação. Gostei ou não gostei? Ainda não decidi. Estou fazendo uma balança imaginária, com as principais coisas boas e ruins sobre a adaptação e descobertas. Uma coisa é certa: em casa e na rua eu NÃO uso os aparelhos. É muito barulho de fundo, ruído que não sei o que é, e ao final do dia já estou no limite da paciência. 

Nos primeiros dias com aparelhos: Olha só, zíper faz barulho! *abre e fecha loucamente o zíper da mochila* Caramba, a água da torneira tem um som muito mais legal do que eu ouvia! *desperdiçando água hehe* Uau, a geladeira faz barulho! O relógio na parece faz barulho! Mouse e teclado do notebook fazem barulho! Como esses sons existiram sempre e eu não ouvia? 


Agora: 


Antes de abrir qualquer zíper, torneira ou entrar na cozinha, tiro os aparelhos. Mastigar com aparelhos? Nem pensar! Escovar os dentes? Nop, tiro também. Tem chance de alguém mexer no meu cabelo? Já tirei. Entrar no ônibus ou carro? Adeus, AASIs.  Parece que tudo em que encosto faz um barulho absurdo, como se tivesse batendo nas coisas, deixando cair, e todos estivessem olhando pra mim por causa disso. Digitar no computador no começo foi uma tortura, porque é como uma britadeira! Acredite, isso não é nada legal.  É como se acionasse o "modo adrenalina"! 




"Ah mas então tem mais reclamação dos aparelhos, do que elogio?"

 Infelizmente, por enquanto sim. 



E lá vai o mais sábio conselho pra você que não tem perda auditiva, mas que conhece alguém que está se adaptando aos aparelhos: 

♥ Não te mete, criaturinha amada.
Só isso.
Pooor favooor.
Me deixa quietinha aqui no meu canto.

Porque é muuuito fácil você dizer pra quem está tentando se adaptar:

 "Mas você PRECISA usar!"
"Você NÃO PODE ficar sem eles!"
ou "COMO ASSIM quer desistir? Você não pode!!!" 

 Quero ver é você colocar os aparelhos e aguentar tanto barulho! 

"Ahh mas eu não tenho perda auditiva" me respondem. 

Amigo, a sensação é a mesma! Esqueceu que do mesmo jeito que pra você esse 'volume' aí é o normal, pra mim, o que eu escuto também é o 'normal' ?!


É claro que eu sei das dificuldades que enfrentei e ainda vou enfrentar, por causa da perda auditiva. Lembro muuuito bem das situações vergonhosas, das risadas alheias, dos momentos que deixei de aproveitar e nervosismo por não entender muitas coisas, tanto em casa, como em sala de aula ou com amigos. E mesmo assim, apesar disso, eu prefiro ficar SEM os aparelhos na maior parte do tempo.

Então acho que dá para notar que não é fácil assim se adaptar. Sinceramente, é muito mais simples me virar na leitura labial, ignorar o que não entendi, ver filme com legendas, do que usar os aparelhos o tempo todo.

Tem gente que nasce e morre sem nunca ter ouvido um som sequer na vida. E qual é o problema? Nenhum! Por favor entenda quando alguém desiste dos aparelhos. Eu preciso considerar também a qualidade de vida: pra mim, não adianta ouvir, mas viver suuuper irritada por isso. Se algum dia essa irritação toda vai passar? Eu espero, porque do jeito que está não tem como continuar, a saúde mental é importante.

E não, não é egoísmo eu deixar de usar aparelhos em casa, pois minha família não faz nenhum esforço quanto a isso: eu que faço leitura labial, eu que levanto e vou até eles quando tentam conversar de outro cômodo, ou seja, pra eles, não muda absolutamente nada. Mas quem fica com os tímpanos latejando ao final do dia, por tentar usar aparelho? Eu, só eu. 

Quando que ainda uso os aparelhos então? No trabalho, pois às vezes preciso usar o telefone (e sempre no volume máximo). Em uma ligação, qualquer barulho externo me impede de entender o que falam, então preciso pedir para as pessoas repetirem muitas frases. Solução para diminuir a dificuldade? Como só consigo usar o telefone na orelha esquerda, eu tiro o aparelho da direita, isso ajuda a ter mais silêncio hehe.

Em sala de aula, nem pensar!!! Com os aparelhos, qualquer barulhinho fica insuportável. Alguém falou lá do fundo da sala? Parece que a pessoa está no meu lado, de tão alto. Ar condicionado era algo que pra mim não fazia barulho nenhum, mas agora, descobri que parece um helicóptero. Arrastam cadeira, abrem zíper, batem com o celular na mesa, conversam...Sala de aula com aparelhos é um INFERNO!!! Se algum dia eu for presa, com certeza será por ter levantado e dado um tapa em alguém que não cala a boca. Mentira, gente, não faria isso...

Mas por acaso existe algum motivo para não desistir? 

Sim. 

 ♥ Música ♥

Eu ainda quero, um dia, ouvir uma música e entender a letra, mesmo em português. 
Por isso, não desisto.
Tento a cada dia aprender a ouvir,
e nem sempre preciso dos aparelhos pra isso.

Mas esse assunto fica pra outro post.

Por hoje é só essa voadora delicada em forma de texto mesmo =)








Eu só não aprendi a ouvir

A minha perda é moderada, mas precisamos falar sobre o que isso significa. Esqueça volume, esqueça porcentagem de audição, esqueça colocar os dedos no ouvido pra tentar descobrir como é ouvir tudo baixinho. A perda auditiva pode se manifestar de diferentes formas, dependendo de quando ela surgiu, se foi feito o uso de algum aparelho auditivo ou implante, e das frequências que foram afetadas. 

A adaptação à perda foi natural pra mim, com o passar dos anos foi ficando mais difícil ouvir, porém mais fácil ler lábios e deduzir. (Hoje, até admiro essa capacidade de dedução, porque às vezes adivinho a frase inteira mesmo entendendo só uma palavra hehe). Tenho certeza de que se alguém, ouvinte, de repente ficasse com a minha audição, não entenderia quase nada do que escutaria.

O que aconteceu é que eu aprendi a ouvir de um jeito completamente diferente, aprendi as palavras, as frases, mesmo faltando muitas letras - e esse é o meu 'normal'.

E agora com os aparelhos eu saí entendendo tudo, entendendo a letra das músicas? 



Aiiinda não... Em dois shows que já fui, não entendi nada do que foi cantado! Por mais alto que fosse o volume, parecia outro idioma. Porém quando cantaram uma música que eu já conhecia a letra, o cérebro "preencheu os sons", e eu ouvi tudo, mas na verdade era a memória auditiva.

Fui ao cinema assistir Star Trek dublado, sem legendas, e com os aparelhos no volume alto. Anotei em um papelzinho de quantas frases longas eu não entendi nenhuma palavra.

Total: 210. Foram 210 frases sem entender sequer uma palavra.

Era como se todos falassem assim.


E eu nem contei as frases curtinhas, e as outras muitas em que perdi uma ou duas palavras, ou que deduzi pelo menos a metade. (Não faço a mínima ideia do que aconteceu no filme, até dormi um pouco.)

Por isso que para entender com aparelhos, eu preciso aprender primeiro. 

Se você assistisse um filme em um idioma completamente desconhecido, você entenderia o que é dito? Não? Por quê? Mas você não está ouvindo? Então como não entende? 

Você não entende porque não aprendeu o que significa cada som. Seu cérebro não sabe identificar. E é exatamente assim que me sinto. 

Eu apenas não aprendi a ouvir como vocês. E acho importante as pessoas saberem isso, para acabar com aquele pensamento "Se usa aparelho auditivo então ouve tudo." É, nem sempre, amigos, neeem sempre...