terça-feira, 16 de agosto de 2016

Superando | Textos aleatórios

Não é todo dia que a gente acorda feliz e pensando "Queee legaaaal que eu sei fazer leitura labial, que maravilha deduzir o que falam só com poucas sílabas, que incrível poder dormir no silêncio enquanto todos reclamam do barulho".
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Não, sempre tem aqueles dias em que "bate a bad" e ninguém se segura.
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Por quê?
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Por quê?
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Justo eu, universo? Não podia ter escolhido outra pessoa?
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E a resposta: "Não, se vira aí. Já sabe que a cada dia vai ficar pior né? Não tem o que fazer, é uma ladeira abaixo."
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O que sei é que ninguém me aguenta quando começo a falar disso. Essa é razão pra escrever em vez de falar, porque até meus amigos devem desejar terem nascido surdos quando começo o assunto. Por isso, leia esse texto só se realmente não tiver mais nada pra fazer, pois é apenas uma compilação de devaneios - e anseios.
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Em muitos dias ainda penso: eu sou uma pessoa com deficiência! Como assim?? A vida toda com aquela ideia errada de que deficiência é algo que só acontece com os outros e não comigo, e de repente, eu sou uma pessoa com deficiência, e pra sempre. A ficha demora a cair, é surreal, é descobrir um mundo novo  - um universo paralelo - que sempre esteve ali mas que só eu não conhecia. Tô escrevendo coisas meio sem sentido? Sim, reflexo dos pensamentos. Pensamentos são de graça (exceto pelas calorias, provenientes da comida, infelizmente não de graça), então por que não pensar em milhares de coisas, mesmo que não façam sentido? Por acaso também amo o filme (desenho) Alice no País das Maravilhas. "O que é realidade?"
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E ser uma pessoa com deficiência implica em quê? Vou ter mais dificuldades que a maioria das pessoas, em certos aspectos. Vou desenvolver cada vez mais outros sentidos, aprender a não depender da audição - o que já acontece, resultando na leitura labial, por exemplo. A questão é que a gente se adapta, se força e esforça, se molda e chora, mas consegue - às vezes. 
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É claro que a surdez não é o fim do mundo, nem a pior coisa que poderia acontecer. Mas o problema é o tempo: quanto mais tempo com ela, mais ela me irrita. Como se viesse personificada, de salto alto, com uma cara de debochada, dá um tapinha nas minhas costas e pergunta: "Gostando da minha companhia, querida? Vou ficar sempre contigo, e cada vez mais pertinho, tá?".  
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Eu queria tanto entender meus amigos conversando comigo, mas a Surdez não cala a boca, ela fala mais alto que eles. O problema é maior quando ela se junta ao som do mar - na praia, pode me chamar de avoada mesmo, porque Surdez + barulho das ondas = desista de falar comigo se não for bem na minha frente. E tem momentos em que AMO isso, poder me desligar um pouco do mundo, e outros em que ODEIO. 
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É muito, muito estranho parar pra pensar que sempre achei que ouvia tudo, só que mais baixinho,  e que nada passava em branco. De repente me contam que tem muita, mas muita coisa que sempre esteve ao meu redor e eu nunca soube - nem ouvi, nem desconfiei. É como chegar em você e dizer: "Hey, existem muitas cores que você não enxerga, sabia?"..
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O pior é quando estou aproveitando alguns poucos momentos pra ouvir música e me lembro de que um dia elas poderão ser apenas lembranças. Sim, eu ouço música, mas não por muito tempo. O volume muito alto prejudica a minha pouca audição, eu já seeeeii - mas só às vezes, não vai fazer tanto mal, né?
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 A música me tira do silêncio - tão comum pra mim - e me faz esquecer do mundo, esquecer da surdez.  Música consegue destruir e recriar a alma ao mesmo tempo. 
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Nota avulsa: fui tentar tocar piano com os AASIs e descobri que não consigo! Como eu decorei as notas em vez de tocar pela partitura, ao ouvir o som corrigido pelos aparelhos eu penso que errei a tecla, e paro de tocar. A cada nota, minha mente diz: "está errado, não era esse som!", pois um bemol ou sustenido já faz toda a diferença. Com os aparelhos estou completamente confusa: "Sério que esse é o verdadeiro som do piano? Toquei por anos, e sempre acreditei que era de um jeito, mas na verdade é tão diferente assim??".
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Vem cá, silêncio, me abraça. Se "silêncio" nessa última frase é o sujeito da sentença ou uma ordem, você decide. 
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